quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Tuesday, November 07, 2006

chuva na horta

Equivoco é vangloriar-se por não sentir mais dor, não mais sofrer, quando a verdade é que nada mais se sente além do medo de sentir. É como se estivesse a observar a chuva, lá fora, agarrada a um pára-raio. A um só tempo apavorada e apaixonada por ela...O medo de me molhar ainda é grande, mas quer saber? que venha a chuva! ou melhor, deixa que eu vou até ela...

Thursday, October 19, 2006

desconsolada ou "des-consulada"

Quase 16:40. O motorista liga o motor que ruge. Rugir. Este é o verbo do dia. Acordei num sobressalto e gritei. Já era 7 e meus planos de ir pra São Paulo às 5 já eram. Corri pra colocar uma roupa. Xinguei.Escovei os dentes( mal e porcamente) e xinguei novamente, talvez pela boca ainda suja. Agarrei minha mochila com fúria e corri para o ponto. Não.Não é possível. Como não ouvi o despertador? Como? Minha indignação lamurienta foi interrompida pelo surgimento inesperado do ônibus. Ainda havia esperança. Entrei confiante e até sorri pro motorista. Quem sabe? Talvez tudo desse certo no fim. E os documentos? Tudo certo? Deu mais uma verificada.Parecia que sim.Olhava ansiosa pra fora, na esperança de ouvir o relógio despertar e acordar (ufa!) daquilo tudo. Vi sim um relógio, mas o do terminal e o que me gritava era cruel: “é tarde”. É incrível como nessas horas nos sobrevêm ânsias de sair correndo. Mas, parada, me resignei a bater com as mãos nos quadris tentando ditar um ritmo mais acelerado para aquele dia. Acordara correndo, com pressa, mas tudo ao redor era lânguido como devem ser as manhãs cheias de nuvens. Eu batucava aceleradamente no intuito de agilizar as coisas, mas tal esforço mostrou-se inútil e apenas resultou em dor e marcas roxas no corpo. Nula seria qualquer tentativa de fazer as coisas irem mais depressa. A visão do motorista: Andar cadenciado de malandro depois do almoço não me inspirou grandes esperanças. Definitivamente ele não tinha pressa. Definitivamente NINGUÉM além de mim tinha pressa naquele ônibus. Nunca me senti tão sozinha e alheia ao mundo: olhavam todos para seus relógios despreocupadamente, enquanto eu, desesperada, tentava decifrar as horas nos pulsos dos outros. Contando mentalmente o tempo, eu me enchia e me esvaziava de esperança de um momento a outro. Titubeava ofegante entre o otimismo e o pessimismo. Arfava. Cansaço psicológico. Como tudo aquilo podia estar acontecendo? Preparara tudo direitinho no dia anterior e agora essa! Era sonho. Só podia ser sonho! Eu nunca teria deixado de ouvir e de obedecer ao chamado solene do despertador. Tinha que ser sonho! Mas a esta altura eu já chegava à rodoviária. Não era pra ter acordado? Comprei a passagem. Corri pra plataforma. Vai dar tempo. Tem que dar! Mas afinal, eles ficam abertos das 9:30 às 11 ou às 11:30? E agora? Vai, lembra Paula, lembra! Dormi. Ih, já era. Será que a gente pode sonhar que tá dormindo? Não. Isso não é sonho. Tô mesmo ferrada. Muito ferrada. Ferrada mesmo. Fui repetindo isso como um mantra enquanto corria desajeitadamente pelo terminal Tietê. Corria.Xingava. Balcão de informações: era preciso 2 metrôs e 2 trens. Tô ferrada. Corri. Fila (imensa) pro bilhete. Palavrão. A impressão que dava era de estar num daqueles filmes de ação que tem uns intervalos de anti-clímax, saca? O brutamontes corre, corre, corre e aí acontece alguma coisa e ele tem que parar de repente. Mudam a música de fundo, põem Kenny G e o cara fica com cara de pato. Parado. Foi assim comigo: corre-corre-corre. Fila. Espera o mêtro. Corre-sobe-escada-corre.Espera. Espera. ES-----PE-----RA.Sacode o pé. Espera. Sacode os ombros. Espera. Xinga. Pega o trem. Faltam 8 estações. 8? Tô ferrada! São 10:45. Paula, sua inútil, tenta lembrar: é até às 11 ou 11:30? Heim? Lembra. Aiaiai faltam 5 minutos. Não, tem que ser até 11:30. Dá tempo. É agora. Corre-sobe escada-corre.Desce escada-corre. Corre. Ai. Olha o carro sua besta! Só faltava morrer agora. Vai dar tempo.Vai. Pulmão enche-esvazia-enche-esvazia-enche-esvazia.Dá-nãodá-dá-nãodá. Tá quase. Vai.É agora. Isso. Cheguei. Palavras cortadas, gaguejadas de quem engoliu muito ar. Olhar esperançoso. Tem que ser até 11:30. Tem que ser. Tem que ser. Desculpe. O consulado só funciona até às 11:00. Mas que horas são agora? 11:14. Mas eu vim de Campinas (em tom de súplica e choro). Nada feito. A bosta do consulado tem uma imagem a zelar. Afinal, regras são regras, não? Inferno! Todos os palavrões possíveis na minha mente. Palavras tão recondidamente guardadas agora saltam da boca que vocifera, ruge. Raiva! Raiva! As lágrimas saltam e a vontade que tenho é de dar um murro na parede. Soco o portão de um prédio. Apesar do roxo imediato, alívio. Um desfile de palavrões ditos com braveza. Lembro da minha mãe a matar baratas, as únicas capazes de fazê-la dizer impropérios.

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