terça-feira, 16 de dezembro de 2008

olho a vida como se tivesse uma máquina fotográfica na mão. olho para tudo já com ares de passado e imaginando como as sensações, no momento mesmo em que sentidas, me serão depois queridas 10 anos mais tarde. eu olho pra tudo já com saudade.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

carta para um ex-amigo

Caríssimo Davi, 13/05/05

Talvez esteja escrevendo porque hoje é sexta-feira treze e acordei
com um gosto de vazio na boca...Ontem à noite descobri uma verdade
clara sobre mim: minha epiderme é fina demais e pelo jeito não tenho
nem a "endo" nem a hipoderme...Ou seja, ando sempre com os nervos à
flor da pele...
No ônibus sentia o vento bater no meu corpo e as lágrimas vinham
automaticamente de tão sensível que estou. É, deve ser por isso que
sempre sinto tudo com tanta intensidade! Que vejo tudo com tantas
cores e posso chorar só de olhar a lua! Isso, e também o gostoso toque
da chuva na minha pele são o lado bom desta sensibilidade que machuca
demais.
Machuca porque ando por aí totalmente sem proteção, praticamente
em carne viva que expõe meus nervos e me fazem cócegas...Tudo na vida,
para mim, é intenso. Tudo sinto com o mais profundo do que sou e isso
porque não tenho superfície (epiderme), a minha profundidade está
sempre à mostra.
Não consigo disfarçar o rosto. Minhas expressões sempre me
condenam e se me calo, meus olhos tomam a palavra, falam por mim e
deixam claro o quanto há em mim de tristeza ou contentamento.
Ontem, não sei por qual junção de fatores, estava me sentindo
fraca por causa da minha sensibilidade e o engraçado é que sempre foi
o contrário...Minha força sempre esteve em não ter medo da dor,
porque, afinal, até o vento doía em mim mesmo!
A dor sempre me foi uma possibilidade porque neste mundo parece
mesmo não haver outro fim para quem tão facilmente se esquece de si
para sentir algo, para viver o que vem de fora.
O único tipo de proteção que tenho são band-aids, mas
infelizmente, por uma questão estética e econômica não posso sair por
aí com o corpo coberto com eles....Acabo colocando esses adesivos
apenas sobre as feridas que se abrem vez ou outra...
Então minha força talvez esteja nas feridas! Porque só quando elas
aparecem posso cobrir uma parte exposta do corpo, tampar um pouco os
nervos, me proteger como com um escudo.
Acho que foi isso que aconteceu quando as coisas não deram certo
com o G: taquei um curativo bem grande e esqueci tudo. Mas, o
problema é que (como você bem sabe) o tempo, o próprio corpo (suor),
a natureza (chuva), ou a civilização (chuveiro), acabam me livrando da
bandagem que, uma vez descoberta, mostra que a ferida foi totalmente
curada e nem ao menos deixou cicatriz (para que fosse para sempre
lembrada). Mas, indo embora o band-aid vai também junto a minha "capa"
protetora de nervos...Talvez isso tenha acontecido ontem na festa. Meu
band-aid caiu e o vento doeu demais no corpo!
Resultado: Fui dormir triste e pensando em providenciar
urgentemente uma roupa de couro...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

12/12/07
hoje o dia amanheceu claro e triste. claro porque o sol tomou conta do céu inteiro e dele expulsou todas as nuvens e triste porque o galo morreu. o velório e enterro se deram num canto do quintal, entre o muro e o pé de acerola. lá foi o vÔ abrir a terra, transformando-a em cova. lágrimas de tristeza.com os olhos verdes castigados pela dor e pela luz ele deposita o bonito galo e se despede. poucos dias antes enterrara um pintinho e um passarinho. talvez por isso seja tão marcado por idéias de morte, quem sabe por isso fale dela com um certo ar de resignação. a morte está sempre à espreita no quintal, a rodear a bicharada, e enquanto faz as vezes de coveiro o avô reflete sobre a efemeridade da vida. é certo que não com estas palavras mas num linguajar mais simples e por isso mesmo mais bonito por sair da boca como um lamento expresso em palavras tão banais e corriqueiras que nos fazem perguntar como é possível dizer algo tão bonito com palavras tão velhas conhecidas! logo depois do almoço, arroz, feijão, angú e cenoura divididos com as galinhas que lhe pediram um pouquinho da porta, foi deitar cansado pelo esforço não tanto de abrir a cova, mas de jogar o galo em seu interior. aquele gesto somado ainda às pás de terra jogadas para cobri-lo e o olhar seu corpo inerte sob a terra e suas penas brancas salpicadas pelo barro, ah, isso sim foi cansativo. ao velar o galo mais uma vez se aproximara da morte e ao enterrá-lo era como se enterrasse a si mesmo naquela cova no fundo do quintal. com 69 anos sabia bem da brevidade da vida, mas a morte de seus animais insistiam em lembrá-lo de sua própria fragilidade. lá fora a vida seguia como sempre, os gansos fazendo barulho, as galinhas ciscando comida, os galos procurando briga. a viúva buscava consolo em suas comadres e suspirava saudadosa ao pensar no finado. mas sobre o quintal paira um ar de tristeza que traz consigo o silêncio pensativo dos animais. é contra tal silêncio que os galos gritam, procurando vencer a tristeza da morte com a goela.

Tuesday, November 07, 2006

chuva na horta

Equivoco é vangloriar-se por não sentir mais dor, não mais sofrer, quando a verdade é que nada mais se sente além do medo de sentir. É como se estivesse a observar a chuva, lá fora, agarrada a um pára-raio. A um só tempo apavorada e apaixonada por ela...O medo de me molhar ainda é grande, mas quer saber? que venha a chuva! ou melhor, deixa que eu vou até ela...

Thursday, October 19, 2006

desconsolada ou "des-consulada"

Quase 16:40. O motorista liga o motor que ruge. Rugir. Este é o verbo do dia. Acordei num sobressalto e gritei. Já era 7 e meus planos de ir pra São Paulo às 5 já eram. Corri pra colocar uma roupa. Xinguei.Escovei os dentes( mal e porcamente) e xinguei novamente, talvez pela boca ainda suja. Agarrei minha mochila com fúria e corri para o ponto. Não.Não é possível. Como não ouvi o despertador? Como? Minha indignação lamurienta foi interrompida pelo surgimento inesperado do ônibus. Ainda havia esperança. Entrei confiante e até sorri pro motorista. Quem sabe? Talvez tudo desse certo no fim. E os documentos? Tudo certo? Deu mais uma verificada.Parecia que sim.Olhava ansiosa pra fora, na esperança de ouvir o relógio despertar e acordar (ufa!) daquilo tudo. Vi sim um relógio, mas o do terminal e o que me gritava era cruel: “é tarde”. É incrível como nessas horas nos sobrevêm ânsias de sair correndo. Mas, parada, me resignei a bater com as mãos nos quadris tentando ditar um ritmo mais acelerado para aquele dia. Acordara correndo, com pressa, mas tudo ao redor era lânguido como devem ser as manhãs cheias de nuvens. Eu batucava aceleradamente no intuito de agilizar as coisas, mas tal esforço mostrou-se inútil e apenas resultou em dor e marcas roxas no corpo. Nula seria qualquer tentativa de fazer as coisas irem mais depressa. A visão do motorista: Andar cadenciado de malandro depois do almoço não me inspirou grandes esperanças. Definitivamente ele não tinha pressa. Definitivamente NINGUÉM além de mim tinha pressa naquele ônibus. Nunca me senti tão sozinha e alheia ao mundo: olhavam todos para seus relógios despreocupadamente, enquanto eu, desesperada, tentava decifrar as horas nos pulsos dos outros. Contando mentalmente o tempo, eu me enchia e me esvaziava de esperança de um momento a outro. Titubeava ofegante entre o otimismo e o pessimismo. Arfava. Cansaço psicológico. Como tudo aquilo podia estar acontecendo? Preparara tudo direitinho no dia anterior e agora essa! Era sonho. Só podia ser sonho! Eu nunca teria deixado de ouvir e de obedecer ao chamado solene do despertador. Tinha que ser sonho! Mas a esta altura eu já chegava à rodoviária. Não era pra ter acordado? Comprei a passagem. Corri pra plataforma. Vai dar tempo. Tem que dar! Mas afinal, eles ficam abertos das 9:30 às 11 ou às 11:30? E agora? Vai, lembra Paula, lembra! Dormi. Ih, já era. Será que a gente pode sonhar que tá dormindo? Não. Isso não é sonho. Tô mesmo ferrada. Muito ferrada. Ferrada mesmo. Fui repetindo isso como um mantra enquanto corria desajeitadamente pelo terminal Tietê. Corria.Xingava. Balcão de informações: era preciso 2 metrôs e 2 trens. Tô ferrada. Corri. Fila (imensa) pro bilhete. Palavrão. A impressão que dava era de estar num daqueles filmes de ação que tem uns intervalos de anti-clímax, saca? O brutamontes corre, corre, corre e aí acontece alguma coisa e ele tem que parar de repente. Mudam a música de fundo, põem Kenny G e o cara fica com cara de pato. Parado. Foi assim comigo: corre-corre-corre. Fila. Espera o mêtro. Corre-sobe-escada-corre.Espera. Espera. ES-----PE-----RA.Sacode o pé. Espera. Sacode os ombros. Espera. Xinga. Pega o trem. Faltam 8 estações. 8? Tô ferrada! São 10:45. Paula, sua inútil, tenta lembrar: é até às 11 ou 11:30? Heim? Lembra. Aiaiai faltam 5 minutos. Não, tem que ser até 11:30. Dá tempo. É agora. Corre-sobe escada-corre.Desce escada-corre. Corre. Ai. Olha o carro sua besta! Só faltava morrer agora. Vai dar tempo.Vai. Pulmão enche-esvazia-enche-esvazia-enche-esvazia.Dá-nãodá-dá-nãodá. Tá quase. Vai.É agora. Isso. Cheguei. Palavras cortadas, gaguejadas de quem engoliu muito ar. Olhar esperançoso. Tem que ser até 11:30. Tem que ser. Tem que ser. Desculpe. O consulado só funciona até às 11:00. Mas que horas são agora? 11:14. Mas eu vim de Campinas (em tom de súplica e choro). Nada feito. A bosta do consulado tem uma imagem a zelar. Afinal, regras são regras, não? Inferno! Todos os palavrões possíveis na minha mente. Palavras tão recondidamente guardadas agora saltam da boca que vocifera, ruge. Raiva! Raiva! As lágrimas saltam e a vontade que tenho é de dar um murro na parede. Soco o portão de um prédio. Apesar do roxo imediato, alívio. Um desfile de palavrões ditos com braveza. Lembro da minha mãe a matar baratas, as únicas capazes de fazê-la dizer impropérios.