12/12/07
hoje o dia amanheceu claro e triste. claro porque o sol tomou conta do céu inteiro e dele expulsou todas as nuvens e triste porque o galo morreu. o velório e enterro se deram num canto do quintal, entre o muro e o pé de acerola. lá foi o vÔ abrir a terra, transformando-a em cova. lágrimas de tristeza.com os olhos verdes castigados pela dor e pela luz ele deposita o bonito galo e se despede. poucos dias antes enterrara um pintinho e um passarinho. talvez por isso seja tão marcado por idéias de morte, quem sabe por isso fale dela com um certo ar de resignação. a morte está sempre à espreita no quintal, a rodear a bicharada, e enquanto faz as vezes de coveiro o avô reflete sobre a efemeridade da vida. é certo que não com estas palavras mas num linguajar mais simples e por isso mesmo mais bonito por sair da boca como um lamento expresso em palavras tão banais e corriqueiras que nos fazem perguntar como é possível dizer algo tão bonito com palavras tão velhas conhecidas! logo depois do almoço, arroz, feijão, angú e cenoura divididos com as galinhas que lhe pediram um pouquinho da porta, foi deitar cansado pelo esforço não tanto de abrir a cova, mas de jogar o galo em seu interior. aquele gesto somado ainda às pás de terra jogadas para cobri-lo e o olhar seu corpo inerte sob a terra e suas penas brancas salpicadas pelo barro, ah, isso sim foi cansativo. ao velar o galo mais uma vez se aproximara da morte e ao enterrá-lo era como se enterrasse a si mesmo naquela cova no fundo do quintal. com 69 anos sabia bem da brevidade da vida, mas a morte de seus animais insistiam em lembrá-lo de sua própria fragilidade. lá fora a vida seguia como sempre, os gansos fazendo barulho, as galinhas ciscando comida, os galos procurando briga. a viúva buscava consolo em suas comadres e suspirava saudadosa ao pensar no finado. mas sobre o quintal paira um ar de tristeza que traz consigo o silêncio pensativo dos animais. é contra tal silêncio que os galos gritam, procurando vencer a tristeza da morte com a goela.
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