"De morrer, sim, eu sabia, pois morrer era o futuro e é imaginável, e de imaginar eu sempre tivera tempo. Mas o instante este - a atualidade - isso não é imaginável, entre a atualidade e o eu não há intervalo: é agora, em mim.
- Entende, morrer eu sabia de antemão e morrer ainda não me exigia. Mas o que eu nunca havia experimentado era o choque com o momento chamado 'já' ! Hoje me exige hoje mesmo. Nunca antes soubera que a hora de viver também não tem palavra. A hora de viver estava sendo tão já que eu encostava a boca na matéria viva. A hora de viver é um ininterrupto lento rangido de portas que se abrem continuamente de par em par. Dois portões se abriram e nunca tinham parado de se abrir. Mas abriam-se continuamente para - para o nada?
A hora de viver é tão infernalmente inexpressiva que é o nada. Aquilo que eu chamava de 'nada' era no entanto tão colado a mim que me era ... eu? e portanto se tornava invisível, e tornava-se o nada. As portas como sempre continuavam a se abrir. Finalmente sucumbi e tornou-se um agora"
A Paixão segundo G.H - Clarice Linspector
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